Artigo por Catarina Moscoso – jornalista

Ser jornalista é, acima de tudo, manter a objetividade e imparcialidade: valores que defendo afincadamente como única forma de exercer democracia através da informação. A objetividade é o alicerce fundamental do jornalismo que, por sua vez, desempenha a função de pilar mestre na democracia.

Na adaptação do poema pós-guerra de Martin Niemöller’s, surgiu a citação emblemática: “First they came for the journalists. We don’t know what happened after that”. Perpetuar uma imprensa livre e isenta é garantir que todas as vozes são ouvidas, que nenhuma dor é silenciada e que a informação pode ser discutida sem opressão ou brainwashing. Moderar uma entrevista como quem ataca num debate não é jornalístico. Por mais que as opiniões da pessoa que se apresenta à nossa frente sejam contrárias à nossa e claramente anti-democráticas, o nosso papel é exatamente restabelecer essa democracia. Certificarmo-nos de que aquela pessoa tem o tempo de antena de que precisa para mostrar a idiotice das suas ideias – digo isto como ser humano, pondo de lado o rótulo de jornalista. Também um médico não pode recusar-se a operar um violador (ou qualquer outra pessoa sem escrúpulos) que esteja entre a vida e a morte. No fundo, faz parte do seu código de conduta fazer tudo pela vida humana, sem exceção.

No dia em que escolhi seguir esta profissão, sabia que iria certamente deparar-me, muitas vezes, com a minha opinião castrada, o meu papel como agente ativo da sociedade restringido à função de difundir informação isenta. Sabia-me preparada e continuo firme na convicção de que, sem jornalismo, a sociedade carece de uma discussão democrática. Aceito, todos os dias, o desafio de ter de calar a minha opinião pela recompensa de dar voz a quem tantas vezes foi silenciado. O jornalismo faz-se “pelos governados e não pelos governantes” (Hugo Black, in The Post).

Porém, nos contrassensos desta luta, calar a voz ativista que grita de dentro de mim tem sido a mais difícil tarefa. Recuso-me a aceitar ter de escolher entre ser jornalista e ser humana, entre observar apenas os factos ou ter liberdade para ser opinativa (característica natural de quem sente).

Cinja-mo-nos à dúvida que não cessa: em que momento a dimensão humana passa para segundo plano? Temos de dar voz a ideologias políticas antagónicas às nossas, informar sobre o mal com o mesmo rigor com que informamos sobre o bem, retratar cenários de terror e ameaças à integridade humana como quem retrata um cenário de paz e, pelo caminho, expomo-nos apáticos perante todo e qualquer acontecimento. Até que ponto vai a objetividade quando estão em causa valores universais, direitos humanos? Não nos podemos assumir descontentes e revoltados com tão vis violações?

Começo a desconfiar de que a condição humana é-nos retirada no momento em que alcançamos o estatuto de licenciados ou envergamos a capa de polícia da informação. A partir daí, devemos padecer calados, imparciais e apáticos perante injustiças de cariz social. Dar voz a fascistas é normal, porque a profissão assim o exige. A voz jornalística substitui a voz de eleitor. O grito de revolta é corrompido pelo simples acenar com a cabeça para mostrarmos que estamos a ouvir (com imparcialidade, atenção!).

E, como se não bastasse, a profissão arrasta-se connosco para casa, intrusa-se na vida pessoal. Em contexto social, temos de ser discretos nos nossos pareceres políticos, evitar manifestarmo-nos abertamente sobre esta ou aquela medida, não colocar um ‘gosto’ na publicação errada – não corramos o risco de ser acusados de tendenciosos…

Nós, jornalistas, que fazemos da Verdade a nossa musa, do rigor a nossa arma.

Falta fazer perceber, a quem por aqui não anda (e, infelizmente, a alguns que andam), que jornalistas são seres humanos também, com opiniões políticas, sentido de justiça, revoltas interiores. Mostrar que as duas faces podem andar de mão dada – gerando o jornalismo de denúncia – sem, no entanto, se cruzarem e misturarem. Jornalismo é dar voz a todos, com o mesmo rigor, mas continuar a ter a sensibilidade para perceber quem realmente mais precisa de um microfone para tornar públicas as suas dores. Ora, quem não consegue ser sensível com rigor não nasceu para o jornalismo.

Imagem: CNN

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