Artigo de opinião escrito por Lídia Praça | Presidente da MEL – Mulheres Empreendedoras da Lusofonia
Comecei este mês de junho com uma leitura de Isabel Allende, “O meu país inventado”. Não houve qualquer propósito nisto e, em verdade, encontrar-me no mês de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas, que este ano devia ser tratado com mais relevância porque assinala os 500 anos do nascimento do poeta, foi mera coincidência. Mas, exatamente, por ter tropeçado neste sincronismo dediquei algum tempo a refletir sobre este meu país, simultaneamente, real e ficcionado. Real e rico, direi, ao nível da herança cultural que carrega e ficcionado por um número quase inimaginável de paixões intensas e vibrantes, que se conjugam neste mês, quase que por magia, tonando-o um tempo de fé e fantasia. Com efeito, Portugal, Camões e o Santo António são vizinhos de calendário e esta proximidade física provoca um esgotante entorpecimento logo que o mês desponta. Marchas de cor e ritmo desfilam numa avenida da capital e ao seu lado, grotescamente, casamentos também. Os olhos, inevitavelmente, esbugalham-se perante tal excentricidade e improbabilidade, mas aceitam com relativa indiferença a singularidade desta manifestação, avessa a qualquer conjunta lógica ou racionalidade. Este fado é fascinante.
Este destino é Portugal, penso. Ainda com o estômago mal recomposto da sardinha assada e do caldo verde, mas com a alma aconchegada pelos feitos cantados nos lusíadas, começo a ver as ondulantes bandeiras nas janelas e varandas, lado a lado, com manjericos, sardinheiras e roupa a secar. Nos cafés, as inevitáveis discussões das opções táticas e estratégicas de um selecionador espanhol. Que nervos! …e ouço que a equipa não joga nada e, simultaneamente, que são bons … são os melhores, afinal. Portugal é mesmo assim, os portugueses quando são bons em algo, assumem-se imediatamente, com uma euforia desconcertante, como os melhores do mundo. Por esta altura, já não sei se estou num país real ou imaginado. Assim vai Portugal, depois da introspeção inicial sobre a sua essência, o seu legado, a sua diáspora e o que de si falta cumprir, torna-se um gigantesco palco, por onde passam, semana após semana, o António, o João e o Pedro, todos santos.
É um palco de alegria e anestesia coletiva, sim, mas que está longe, muito longe de reforçar o sentido de comunidade e preservar costumes e tradições, porque, simplesmente e só, vejo muito palco e pouca alma. Essa alma vibrante que sempre ousou ser mais do que a simples soma das devoções aos santos e da paixão pelo futebol.