Artigo de opinião escrito por Agostinho Beça
Em bom rigor podemos definir Análise Sensorial como sendo a “ciência” que estuda práticas para medir as caraterísticas sensoriais de um produto, utilizando metodologias e delineamento experimental adequados para tratamento e interpretação estatística dos resultados finais, de modo que se possam avaliar, por comparação, diferentes amostras dum mesmo produto.
E, dito por outras palavras, a Análise Sensorial é uma disciplina ministrada no ensino superior, em diversos níveis e formatos, mas com o objetivo concreto de permitir a aquisição de qualificações, competências e domínio das técnicas de avaliação dos atributos organoléticos de um produto através dos sentidos.
Neste sentido, para apoiar a compreensão do que modestamente se pretende transmitir neste texto, sem pretensão de abarcar a complexidade e profundidade dos conhecimentos que a disciplina da Análise Sensorial verdadeiramente aborda ao nível universitário e politécnico, importa definir alguns termos e conceitos comummente usados no âmbito destas práticas.
Assim:
- Atributos – as caraterísticas percetíveis e identitárias de um produto.
- Atributos organoléticos – propriedades de um produto que estimulam os órgãos sensoriais humanos – sabor, cheiro, cor, aspeto.
- Produto – substância consumível, alimentar ou não, que pode ser avaliada em termos sensoriais.
- Perceção – tomada de consciência e interpretação do efeito dos estímulos sensoriais.
- Sensação – reação psicofisiológica que resulta do estímulo sensorial.
- Gosto – sensações que os órgãos gustativos percecionam em resultado do estímulo induzido por substâncias solúveis.
- Painéis de Provadores – grupo de voluntários, normalmente em número ímpar, com treino adquirido através de formação específica para identificar padrões sensoriais, detetar defeitos e avaliar a conformidade dos produtos com as especificações previamente definidas.
- Provas Cegas – avaliação dos atributos de um produto sem que os provadores conheçam a sua origem, marca ou qualquer informação que possa interferir na perceção sensorial.
- Fichas de Avaliação/Classificação – documentos de apoio ao trabalho dos elementos do painel de provadores, contendo descrição das caraterísticas e atributos do produto e outras indicações, com uma grelha de escalas para avaliação quantitativa de cada atributo e a classificação final atribuída por cada provador.
Aqui chegados, podemos defender que, para garantir qualidade e autenticidade de produtos tradicionais e identitários dum território e duma cultura local como é esta nossa de Mirandela, com a alheira, o azeite e azeitonas, o rancho, os queijos, o mel e muitos outros produtos genuinamente “nossos”, a Avaliação Sensorial constituirá um requisito necessário – para não dizer obrigatório – convenientemente apoiado por um Painel de Provadores, também imprescindível nestes processos, usando regras simples, mas objetivas, baseadas em técnicas fidedignas e adequadas ao contexto de degustação de produtos alimentares, através de Provas Cegas como única forma de evitar influências externas e permitindo uma apreciação com rigor e objetividade.
Esta técnica, amplamente utilizada em concursos gastronómicos e certificação/qualificação de produtos alimentícios, assegura uma análise imparcial, onde é exclusivamente tida em conta a qualidade intrínseca do alimento, como ficou bem patente nas duas edições do concurso “O Melhor Rancho”, integrado no Festival Gastronómico do Rancho de Mirandela, experiência que se pode considerar bem-sucedida, embora reconhecendo alguns aspetos a melhorar, especialmente no que respeita ao espaço físico onde as provas decorreram, uma vez que, para maior rigor, deveriam ser efetuadas numa Sala de Análise Sensorial devidamente equipada.
Outro aspeto importante a observar, no que respeita aos regimes de qualificação/certificação dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, é o Registo das Denominações de Origem Protegidas (DOP), e das Indicações Geográficas Protegidas (IGP), em obediência aos Regulamentos de Execução da Comissão Europeia, além das Especialidades Tradicionais Garantidas (ETG) e Denominações de Origem controlada (DOC).
A alheira de Mirandela representa não só um património gastronómico, mas também um motor de desenvolvimento económico local. A sua produção envolve diversos intervenientes, desde os produtores de carne até às empresas de transformação e comercialização, promovendo o emprego e o dinamismo socioeconómico da região. O reconhecimento como Indicação Geográfica Protegida (IGP) permitiu acesso a mercados mais alargados, valorizando o produto no contexto nacional e internacional.
Proposta de aplicação da Análise Sensorial à Alheira de Mirandela
Tomando a Análise Sensorial como ferramenta científica que permite avaliar as propriedades organoléticas de um produto alimentar, no caso da Alheira de Mirandela IGP esta avaliação terá de ser realizada obrigatoriamente com base no Caderno de Especificações oficial, que define os padrões de qualidade e identidade do produto, bem como os requisitos de produção e comercialização, publicado através do Despacho n.º 9012/2013, de 10 de julho e, posteriormente, o Regulamento de Execução (UE) 2016/292 da Comissão de 19 de fevereiro de 2016 veio reforçar esta proteção a nível comunitário, estabelecendo as normas de rotulagem e os critérios de produção que distinguem a verdadeira Alheira de Mirandela.
Nesse sentido, além doutros parâmetros, conforme o referido Caderno de Especificações, nas características físicas serão avaliadas a forma e o aspeto exterior, nas características sensoriais a cor, o aspeto ao corte, o sabor e o aroma, ficando em aberto a definição, com os competentes conhecimentos científicos aplicáveis ao produto, dos padrões mensuráveis e respetivas escalas de avaliação quantitativa e sendo, naturalmente, a análise das características químicas, proteína, humidade e gordura, efetuada em laboratório acreditado.
Metodologia a adotar
O processo de análise sensorial seguirá um protocolo rigoroso, que inclui:
- Seleção e qualificação de provadores – constituição de painéis de provadores, integrados exclusivamente por voluntários não remunerados e com formação específica em análise sensorial de produtos cárneos.
- Sala de Análise Sensorial – fundamental a disponibilidade de espaço adequado, com os equipamentos apropriados para o efeito.
- Prova cega – os provadores não têm acesso a informações sobre a origem das amostras, assegurando uma avaliação imparcial.
- Utilização de fichas de avaliação/classificação – documento com uma grelha de escalas com parâmetros previamente definidos para registar quantitativamente as impressões sensoriais de cada provador.
- Avaliação final – atribuição duma pontuação aos lotes correspondentes às amostras avaliadas pelo Painel de Provadores, que poderá ser mencionada nas embalagens enviadas para o mercado, acompanhada de breve explicação da metodologia utilizada.
Conclusões
A análise sensorial da Alheira de Mirandela, baseada na regulamentação comunitária e nacional, assegura a manutenção dos padrões de qualidade e a preservação da identidade deste produto tradicional. O impacto económico da alheira no concelho de Mirandela é inegável, sendo fundamental continuar a investir na formação de painéis de provadores e na aplicação de metodologias rigorosas que garantam a autenticidade e o prestígio deste e de outros produtos locais no mercado global.
Do que foi exposto se pode também inferir que não se propõe o uso de práticas com critérios subjetivos, preferências ou “gostos” pessoais, nem um processo de mera degustação, mas sim a utilização duma metodologia rigorosa, com grandezas mensuráveis e passíveis de tratamento estatístico credível e na prossecução do superior interesse dum consumidor cada vez mais esclarecido e exigente, norteados pela preocupação em manter parâmetros de qualidade e salubridade, respeitando escrupulosamente, não só os requisitos de um Caderno de Especificações, como também as mais elementares regras de Segurança Alimentar, sem esquecer o saber-fazer tradicional.
Com a adoção destes procedimentos, eventualmente melhorados e complementados com outras ideias e contributos por parte da indústria, das entidades gestoras da IGP e outros intervenientes credíveis, deixaríamos de ficar reféns da publicidade, baseada em populismo de duvidosa credibilidade, quanto à atribuição de galardões internacionais que ninguém sabe muito bem como é decidida a sua atribuição, com que rigor técnico e científico, aonde, quando, nem porquê …