Começou, esta quinta-feira, no tribunal judicial de Mirandela, o julgamento do caso de um médico de clínica-geral acusado do crime de homicídio por negligência, há quase seis anos, que resultou na morte de uma mulher de 69 anos, natural do concelho de Mirandela.

O Ministério Público (MP) entende que o médico, que já não exerce funções no hospital de Mirandela, não terá agido conforme as boas práticas médicas exigem quando observou a vítima que apresentava sintomas que indiciavam um quadro de episódio de enfarte, e lhe deu alta. A mulher viria a falecer, uma semana depois, com sequelas graves resultantes de um enfarte não diagnosticado.

Na primeira sessão, foram ouvidos familiares da vítima que insistiram nas acusações de negligência e ainda uma médica cardiologista do hospital de Vila Real, onde a paciente viria a falecer, que não comprometeu a atuação do colega em Mirandela. O arguido não quis falar. A próxima sessão está agendada para 16 de dezembro.

O caso remonta a 7 de Janeiro, quando Maria Elisa Braz, na altura com 69 anos de idade, residente em Valbom dos Figos (Mirandela), pelas 9,00 horas, deu entrada no Serviço de Urgência (SU) do Hospital de Mirandela com dor torácica, referindo dor no peito e nas costas com evolução de três dias, tendo-lhe sido atribuída prioridade clínica de atendimento urgente (pulseira amarela).

Maria Elisa foi então observada pelo arguido, Fernando Gomes (médico da especialidade de clínica-geral), o qual, após essa observação, atribuiu-lhe alta 47 minutos depois, tendo consignado no respetivo relatório do episódio de urgência que a vítima foi ao SU por cervicalgia desde há muito tempo, sem dificuldade de mobilidade do pescoço e prescrito, como medicação, um anti-inflamatório e um paracetamol para as dores.

Algumas horas depois, de ter recebido alta, Maria Elisa voltou a sentir dores no peito e com vontade de vomitar, tendo sido transportada ao hospital privado de Mirandela e daí posteriormente transferida para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, onde lhe foi diagnosticado enfarte do miocárdio, situação que se veio a complicar e que culminou com a sua morte, sete dias depois, a 14 de janeiro de 2015.

Tendo em conta a sintomatologia referida, para a acusação, o arguido “deveria ter considerado o enfarte agudo de miocárdio como primeira hipótese de diagnóstico, o que não sucedeu”, refere a acusação, considerando que o arguido “devia ter promovido um estudo que lhe permitisse excluir causas mais graves, e como tal solicitado os meios complementares de diagnóstico adequados para o seu correcto diagnóstico, tratamento e orientação, o que o arguido não fez”, sustenta o MP. Para além disso, acrescenta a acusação, deveria o arguido “ter-se abstido de atribuir alta à doente, antes assegurando a sua imediata observação pela especialidade de cardiologia, o que também não promoveu, e deu-lhe alta”.

O MP defende que o arguido “omitiu os mais elementares deveres de cuidado que, segundo as circunstâncias e boa prática médica, lhe eram exigíveis e que se impunha que observasse”. 

Por esta conduta, a acusação entende que o arguido, praticou em autoria material, na forma consumada, um crime de homicídio por negligência.

Ordem dos Médicos censura conduta

Na altura, os filhos de Maria Elisa avançaram com uma queixa na Unidade Local de Saúde do Nordeste (ULSNE), sendo que a entidades que gere o hospital mirandelense, dois meses depois, deu a conhecer as conclusões de um inquérito interno, apontando que a conduta do médico “comporta grau de censurabilidade revelador de falta de cuidado e diligência”.

No entanto, “dado a inexistência de vínculo laboral entre a ULS do Nordeste e o visado é de todo inexequível deduzir acusação contra o mesmo”, adiantava o relatório.

Atendendo à conduta daquele profissional, a ULSNE comunicou o caso à Ordem dos Médicos (OM) para efeitos de instauração de processo disciplinar e à empresa onde o mesmo médico presta serviço.

A OM já concluiu o processo e decidiu punir o profissional de saúde com a pena disciplinar de censura, por considerar que o médico “atuou de modo negligente e de forma imprudente” o que constitui violação dos deveres deontológicos do arguido. 

Jornalista: Fernando Pires 

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