O Tribunal de Mirandela absolveu, ontem, um médico de clínica-geral que estava acusado de um crime de homicídio por negligência, no atendimento de uma mulher de 69 anos, no serviço de urgência do hospital de Mirandela, há seis anos atrás, e que viria a falecer com sequelas graves resultantes de um enfarte do miocárdio não diagnosticado.
O coletivo de juízes considerou ter ficado provado que o médico não agiu de acordo com as boas práticas médicas, quando observou a vítima (Maria Eliza Braz) que apresentava sintomas que indiciavam um quadro de episódio de enfarte, e lhe deu alta. “Deveria ter feito um inquérito muito mais exaustivo e efetuado diligências para a realização de exames complementares de diagnóstico para a despistagem de possíveis patologias cardio-vasculares”, refere o acórdão.
Ainda assim, o tribunal entende que não ficou provado o nexo de causalidade, ou seja, não ficou claro que esta conduta do médico possa ter sido a causa direta para a morte da mulher. Para esta decisão, pesaram bastante os dois pareceres técnico-científicos apresentados em sede de julgamento, um deles do colégio médico da especialidade de cardiologia, que apontava para a inexistência do nexo causal.
Outro factor importante que o coletivo de juízes apontou para tomar esta decisão, foi o facto de não se ter realizado a autópsia ao corpo. “Teria sido um documento importante no processo porque poderia ser revelador das possíveis causas da morte”, adiantou o juiz-presidente.
Com a decisão da absolvição do médico no processo-crime, o tribunal também optou pelo mesmo veredicto no processo-civil em que a família pedia uma indemnização.
À saída do tribunal, uma das filhas de Maria Elisa Braz, não escondia a indignação com esta decisão. “Estou muito desiludida, porque ficou provado que o médico teve falhas graves no atendimento à minha mãe, mas que não foi o suficiente para lhe provocar a morte. Como é que isto é possível, não cabe na cabeça de ninguém, ela morreu porque não teve a assistência devida”, referiu Fernanda Braz que admite recorrer da sentença: “Custa engolir este sapo, mas vamos analisar e se existir alguma falha no acórdão vamos pegar nela”, adiantou.
Já do lado da defesa, era evidente o contentamento com a decisão. “Entendo que se fez justiça num caso que requeria melhor atenção do ponto de vista da prova e da acusação, com destaque para a inexistência da autópsia que pudesse, com maior clareza, apontar para a razão da morte da doente. Ficou provada a inexistência do nexo causal”, considerou António Graça da Silva.
No entanto, o advogado de defesa admite erros na atuação do médico. “Há uma discrepância entre aquilo que foi detetado na triagem e o tratamento subsequente da doente, que nunca foi posta em causa durante o processo, o que significa que deveria ter havido outra orientação do meu cliente em sede do serviço de urgência, mas isso não foi determinante no falecimento da senhora e que todos lamentamos”, conclui.
Sentença seis anos depois
O caso remonta a 7 de Janeiro de 2015, quando Maria Elisa Braz, na altura com 69 anos, residente em Valbom dos Figos (Mirandela), deu entrada no Serviço de Urgência (SU) do Hospital de Mirandela com dor torácica, referindo dor no peito e nas costas com evolução de três dias, tendo-lhe sido atribuída prioridade clínica de atendimento urgente (pulseira amarela).
Maria Elisa foi então observada por Fernando Gomes (médico), que viria a dar-lhe alta 47 minutos depois, tendo consignado no respetivo relatório do episódio de urgência que a vítima foi ao SU por cervicalgia desde há muito tempo, sem dificuldade de mobilidade do pescoço e prescrito, como medicação, um anti-inflamatório e um paracetamol para as dores.
Algumas horas depois, de ter recebido alta, Maria Elisa voltou a sentir dores no peito e com vontade de vomitar, tendo sido transportada, desta vez, ao hospital privado de Mirandela e daí, posteriormente, transferida para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, onde lhe foi diagnosticado enfarte do miocárdio, situação que veio a complicar-se e que culminou com a sua morte, sete dias depois.
Jornalista: Fernando Pires