Artigo de opinião escrito por Maria Pires – estudante de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC) e atleta de Powerlifting.
Final do primeiro semestre como estudante deslocada, e tanto se passou. Regressar à minha “terrinha” para celebrar o Natal com quem mais amo, é um misto de conforto nostálgico e inquietação. Passear pelas pequenas ruas da cidade que antes transbordava de vida é, agora, um conforto silencioso.
Recordo-me de encontrar as pessoas mais idosas a caminhar na brisa fria e seca que caracteriza o inverno transmontano, as famílias a explorar o mercado de Natal e as crianças encantadas com a pista de gelo. Estes elementos natalícios ainda estão lá, à vista de toda a gente, mas falta algo essencial: o espírito natalício que tanto idealizamos. Aquela magia que nos é vendida nos filmes, livros e contos de Natal parece diluir-se, tornando-se apenas uma sombra do que já foi.
Quando éramos pequenos, tudo era mais simples, o Natal era a esperança, união e beleza partilhados em família. Era reunir-me à lareira da minha avó, numa espécie de refúgio, algo que continuo a fazer. Desta vez esse calor, da velha lareira, deu lugar a preocupações, o cansaço que observo no olhar de todos que passam por mim, a sensação de que o sonho se esgota lentamente.
Creio que o espírito natalício está cada vez mais ténue. Não apenas porque muitos jovens, como eu, deixam Mirandela em busca de novas oportunidades, mas porque vivemos num mar de notícias inquietantes. O conflito da Ucrânia, que parece interminável o genocídio da Palestina, as crises políticas que abalam diversos países e as crises económicas que minam a estabilidade financeira de diversas famílias, ou casos como o de Gisele Peliot, que expõem fragilidades humanas e sociais. Tudo isto mina a fé numa união que devia ser o alicerce desta época.
Vejo no olhar das crianças uma inocência que invejo, alheias do peso do mundo. Invejo, também aquele que, por privilégio, vivem livres de preocupações e podem desfrutar do Natal sem o peso das tragedias globais. Acredito que para a grande minoria, esse luxo ficou no passado.
Poderia tentar apresentar soluções que revitalizassem o espírito que falta ao mundo, mas não tenho. Tal como não tenho soluções para atenuar o isolamento da nossa belíssima terra e da sua população mais velha. As preocupações têm novos nomes: o futuro da Palestina, as notícias de um mundo dividido e a incerteza da paz mundial. Resta-me, apenas, o desejo – e talvez a ilusão – de que este espírito ainda perdure em diversas casas. Mesmo assim, guardo nostalgicamente a altura onde o meu maior dilema era comer a próxima rabanada e descobrir quais eram as minhas prendas. Mas é nestas memórias que se encontra o consolo, e que, afinal, a essência do Natal nunca deixou de ser isso: a busca por um fio de esperança, mesmo quando tudo ao redor parece desmoronar.