Por Francisco Ataíde Pavão

A olivicultura e o azeite em Portugal

A produção de azeite tem vindo a crescer em Portugal a um grande ritmo nos últimos 10-15 anos, fruto sobretudo da “autêntica revolução” que ocorreu no panorama olivícola nacional, com reconversão e/ou plantações de grandes áreas de olival de regadio, sobretudo no sul do País, mas também nas outras regiões, ainda que nestas em muito menor percentagem e na sua maioria em regime de sequeiro. A cultura vive um momento único, com produções de excelência em termos de quantidade, mas sobretudo em termos de qualidade, o que se tem vindo a reflectir no aumento da notoriedade do azeite português, que no mercado interno, mas sobretudo no mercado externo, onde a exportação deste “ouro líquido” tem vindo a crescer.

Poderíamos então pensar que o sector do azeite português está a florescer, mas infelizmente, não é essa a realidade. Actualmente temos dois tipos de olivicultura em Portugal: uma primeira associada à nova realidade do Sul do País, onde predomina o olival intensivo e super-intensivo de regadio com utilização maioritariamente de cultivares não portuguesas; a segunda associada à grande área de olival nacional, o olival tradicional, na sua maioria de sequeiro e explorado por um grande número de olivicultores em todo o território.

Estas são as duas grandes realidades nacionais, a primeira das quais associada a custos de produção bastantes baixos e com produções elevadas (regadio), sobretudo pela dimensão das parcelas/propriedades, mas também pela mecanização da quase totalidade do ciclo produtivo, o que resulta em azeites de qualidade produzidos a um baixo preço. A segunda, associada a custos de produção mais elevados e com produções menores (sequeiro), com difícil ou inexistente mecanização (p.e. no olival do Douro), o que resulta em azeites de qualidade produzidos a um preço mais elevado, mas com características bem marcadas respeitantes ao terroir e às cultivares tradicionais que lhes dão origem. Ambas as realidades praticam um tipo de agricultura moderno, tecnológico e ambientalmente sustentável.

Coloca-se-nos então a questão se estas duas realidades poderão vir a coexistir num futuro bem próximo. Claro que sim …. podem e devem! Contudo há que aumentar o conhecimento do público em geral para estas duas realidades produtivas.

Desafios para o olival tradicional

Se o caminho do olival intensivo e super-intensivo de regadio se avizinha como mais fácil, pois está associado a azeites de custo mais baixo e por conseguinte muito mais competitivos no mercado nacional, mas também no mercado internacional, a realidade do olival tradicional é bem diferente. O que fazer então?? É primeiro necessário que toda Fileira faça uma introspecção no sentido de preservar e potenciar este tipo de olival, convidando para este grupo de trabalho a Investigação Nacional e o Ministério da Agricultura. O desenvolvimento do sector tem sido acompanhado pela investigação nacional? Em alguns casos, sim, mas por exemplo no melhoramento das cultivares tradicionais, nada tem sido feito nos últimos anos em Portugal, que tem ainda um enorme património varietal, que urge conservar e sobretudo estimular.

A competitividade de olival tradicional português terá obrigatoriamente que ser alicerçada na produção de azeites de grande qualidade, competindo estes no mercado dos azeites de excelência, pois nunca conseguirão ser competitivos ao nível do volume e dos preços. Os azeites extraídos dos olivais tradicionais, são extraordinariamente complexos e harmoniosos, fruto sobretudo das distintas cultivares que lhes dão origem.

Nos últimos anos assistimos também a uma alteração de práticas culturais, destacando-se a antecipação da colheita de azeitona dos olivais, o que aliado a sistemas de extracção modernos, permite a obtenção de azeites de excelência que têm vindo a ver a sua qualidade reconhecida nos Concursos de Azeites nacionais e internacionais. Se analisarmos os resultados do Concurso Nacional de Azeites de Portugal dos anos de 2016, 2017 e 2018, constatamos que:

  • 2016
    • 22 (68,75%) dos 32 azeites premiados são de produções de olival tradicional;
    • O Douro tem 37,50% dos premiados, seguido pelos olivais intensivos de regadio com 31,25% e depois pelos de Trás-os-Montes com 25,00 %
    • O Prémio Prestígio e o Prémio Grandes Lotes foi para dois azeites de Trás-os-Montes.
  • 2017
    • 12 (50%) dos 24 azeites premiados são de produções de olival tradicional;
    • O Douro e Trás-os-Montes em ex-aequo (16,67%) são as regiões mais representativas.
  • 2018
    • 24 (80%) dos 30 azeites premiados são de produções de olival tradicional;
    • 33,33% dos azeites premiados são do Douro, seguindo-se Trás-os-Montes com 30% e depois o olival intensivo de regadio com 20%.

Observando estes dados, constatamos que, a qualidade dos azeites provenientes do olival tradicional português existe e tem vindo a ser premiada. Será que isto é o suficiente?? O mercado nacional reconhece a qualidade diferenciada destes azeites??? Infelizmente não.

Estamos na fase inicial da discussão da Política Agrícola Comum pós 2020, o sector do azeite português terá que unir esforços no sentido de, sensibilização de Bruxelas para um conjunto de problemas que são transversais aos diversos tipos de olival nacional/europeu, nomeadamente a mitigação dos efeitos das alterações climáticas; as questões fitossanitárias, quer ao nível das doenças/pragas (p.e. Xylella fastidiosa), quer ao nível da cada vez maior limitação do uso de produtos fitofarmacêuticos (p.e. o cobre); a importação de azeites de extra-comunitários; a manutenção e valorização da análise sensorial como elemento fundamental para a classificação e promoção dos azeites e as questões da promoção do azeite enquanto elementos fundamental da dieta mediterrânica e elemento funcional no que concerne à saúde (p.e. Programa de Azeite Escolar), …..

O olival tradicional terá ainda que ter esforços redobrados na consciencialização de que para além da sua função produtiva, apresenta também características que deverão ser consideradas como essenciais para a sua manutenção e apoio, nomeadamente pela diminuição do efeito poluente da agricultura (uso reduzido dos fertilizantes e produtos fitofarmacêuticos), extensificação e/ou manutenção dos sistemas agrícolas tradicionais extensivos (este tipo de olivais é conduzido na sua quase totalidade em regime extensivo de sequeiro, segundo práticas tradicionais de agricultura, contribuindo para a manutenção do “mosaico” agrícola na paisagem portuguesa, caracterizada pela sua heterogeneidade de culturas agrícolas praticadas), conservação dos recursos e da paisagem rural (estes olivais são sobretudo caracterizados por apresentarem cultivares tradicionais com um enorme potencial genético que urge preservar/potenciar) e são ainda uma característica intrínseca da paisagem rural portuguesa.

O factor principal da valorização de um produto, passa sobretudo pela sua mais valia comercial, isto é, potenciar a sua excelência, garantindo a viabilidade e a continuidade da cultura deste tipo de olival tradicional. Neste caso, é necessário concertar estratégias de valorização que passem não só pela promoção da excelência das suas qualidades, efectuada unicamente pelos agentes da fileira, mas sim pela ligação a outros produtos com qualidade certificada produzidos no País, mas também pela promoção da identidade dos territórios, da sua gastronomia e das suas gentes.

Como se vê pelos números apresentados, Portugal tem azeite de grande qualidade premiado cá dentro e lá fora. O que faz falta é o Estado e os empresários assumirem de uma vez por todas, a necessidade de desenvolver campanhas de promoção e educação dos consumidores. Se cada português “bem educado” nessa matéria comprasse mais duas garrafas de azeite de qualidade do que aquelas que compra, o impacto na economia das regiões onde temos os nossos olivais tradicionais seria enorme.

Ou seja, Portugal, já tem azeite de muita qualidade. Portugal – e à semelhança do que aconteceu com o vinho nos anos 80 – precisa é de gente que consuma azeite de qualidade. E isso faz-se com investimento na educação dos consumidores, mas também na formação junto das Escolas de Hotelaria e Turismo e no ensino superior.

Urge criar uma “Estratégia Nacional para a Valorização do Olival Tradicional Português” por forma a definir e elencar medidas de apoio à protecção e promoção destas produções.

Francisco Ataíde Pavão

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