Lídia Praça | Jurista e Vice-Presidente nacional da Unión Hispanomundial de Escritores (UHE)

Aproveitando os bidonvilles deste tempo e deste país quero recordar também aqui a miséria dos portugueses emigrados em França, nos bidonvilles de Paris. Por estes dias o pais acordou para o drama dos imigrantes ilegais, com as imagens de Odemira. Contudo, aquelas representações não deram início a qualquer evangelho, nem a informação dos jornalistas começou, como no Novo Testamento, anunciando naquele tempo …. Não, o que se passa neste país não é naquele tempo de S. Mateus ou dos fariseus, nem tão pouco é algo que remonta às colonias de Portugal de séculos passados. Por estes dias, o que se nos revelou impiedosamente aos olhos foram os nossos bidonvilles e a miséria dos imigrantes, em território português. Por estes dias, aquilo que nós vimos foi o espelho da vida dos nossos emigrantes em França nos, ainda tão próximos, anos 50, 60 e 70. Na verdade, milhares de portugueses passaram por esses lugares de pobreza conhecidos como “capital dos portugueses”. As condições de vida desses emigrantes em França, tantos deles oriundos do interior norte de Portugal e muitos deles de Trás-os-Montes, são descritas no Livro “Portugais à Champigny: Le Tempps des Baraques” desta forma: (…) não havia, é claro, água canalisada, e os ratos habitavam com os homens, no meio da lama. Os pobres coitados que viviam nas barracas eram mal pagos. Pelo mesmo trabalho recebiam um salário bastante inferior a um operário francês. Não tinham meio de se alojarem noutro lado (…).

As imagens de Odemira, um século depois da vaga de emigração no tempo do Estado Novo, ou cinco séculos depois dos descobrimentos e da colonização, envergonham ainda mais a nossa história porque ocorrem em pleno século XXI, em democracia, num estado de direito e em território português. É indigno e é inaceitável, tanto mais que estes acontecimentos não são episódios pontuais e desconhecidos, mas sim uma prática continuada de, pelo menos, uma década e conhecida das autoridades. 

Esta é uma questão legal, de obrigação do cumprimento da lei e, também, do dever de fazer cumprir a lei. As investigações já vão com dois anos e eu pergunto onde estão os resultados? Aquilo a que todos nós assistimos, terá porventura sido opaco para as autoridades durante as averiguações? Os infratores quem são? Cada um poderá dizer o que entender, mas na minha perspetiva esta não é uma questão apenas de solidariedade ou de justiça social, mas acima de tudo é um caso de polícia, da lei, justiça e direito e, por isso, por estes desmandos de alguns, como por outros bem nossos conhecidos, não devem pagar, mas uma vez, os contribuintes portugueses. Sou solidária, sim, com os emigrantes escravizados e exijo para eles os direitos e as condições que também os nossos emigrantes dos anos 60, em França, deveriam ter merecido, mas não sou solidária com os abusadores, incumpridores e criminosos, que escravizam seres humanos e que recebem contrapartidas indevidas, injustas e impróprias e, ainda, pretendem ostensivamente impor a fatura aos contribuintes portugueses e a terceiros alheios a essas práticas.

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