Por: Miguel Gomes- Escritor
As tardes de domingo prolongam-se pelos restantes dias da semana nas aldeias onde o tempo parece não habitar. Passo devagar, intriga-me o nome de uma rua mais do que a localidade, assim como os entalhes graníticos nas paredes melancolicamente cultuais cujos capiteis, lentamente, soçobram à passagem dos homens, mas não dos anos.
Uma trindade de idosos, como constelação afastada, perde o brilhar no corpo torpe, moreno, cujos trejeitos capilares esbranquiçados se escondem por debaixo das camisas desabotoadas e das boinas descoloridas.
Aproximo-me no carro e como um sopro assumem uma postura erigida, os nós das mãos esbranquiçam-se pelo esforço com que agarram a retorcida moca, a hombridade da existência não conhece condições e assoma-se ainda mais quando nada veste o corpo, ou a pessoa, além das vestes feitas para proteger o casulo carnal dos elementos circundantes.
– Boa tarde meus senhores – digo-o por respeito, braço de fora da porta do carro, aceno à homem, coisa de tojo que ondula uma só vez ainda que vente e arrepie os crespos secos que digladiam posição nas rusgas de um penedo.
Nenhum deles deixa de me responder e é aqui que a solidão me ataca, sem que eu me aperceba, apenas agora me permito ouvir o cumprimento e calar o comprimento que me ausenta daquela calçada, cujo nome de rua me intrigou e deixa a minha curiosidade saciada.
Cada rua de uma aldeia tem mais vida resoluta que uma alameda de gente fajuta impecavelmente vestida. Dizem-me que é da vida. Mas acredito ser da idade ou por ter nos olhos a fuligem que escapa da paisagem, onde casas abandonadas nascem de forma selvagem, espontânea, por entre pedras como giestas que florescem vestidas de cinzento, a habitação de agora não é mais do que um lamento e é nesta recordação, a tarde esparramada nos longos lagos de um rio atormentado, que limpo a lágrima que se soltou do meu arado.