Artigo de opinião de Lídia Praça – Jurista e Vice-Presidente UHE Portugal

A natureza começa a anunciar a Primavera, que chega com o mês de março. A palavra vem do latim e significa a primeira verdade da vida. É apenas uma estação da vida, mas é também a fase de um ciclo que carrega os primeiros frutos. Comecei por equacionar, há muitos anos, que o homem é uma réplica da natureza. Hoje, contudo, alcanço que o homem é um original tão perfeito como a própria natureza. Toda a vida na terra obedece a leis naturais e a ciclos impossíveis de recompor. A Primavera, que março carrega, é a primeira verdade e também o primeiro fruto. Perceber este preceito é perceber a essência da vida, pois também a existência do homem é um ciclo preenchido por várias estações e composto por fenómenos e acontecimentos que obedecem a uma linearidade temporal. Ousar manipular esse processo é uma ilusão e um equívoco.

A primeira verdade é, quase sempre, equivoca, intransigente e determinada. Senão veja-se, como as amendoeiras enganaram o pobre diabo, quando este com frio e fome, depois de um inverno rigoroso, avistou as primeiras flores que despontavam na árvore. Feliz, confiante e aquecido pelos primeiros raios de sol, deitou-se encostado ao tronco da amendoeira e adormeceu, convicto que a árvore que primeiro floria seria a primeira a dar frutos. Esperou e sempre que acordava via as demais árvores florirem e dar frutos. Assim aconteceu com as cerejeiras, com as ameixeiras, com as macieiras e da sua precoce amendoeira, nada. Sentindo-se enganado e faminto, quando já o Verão caminhava para o fim, resolveu abandonar a árvore e dirigir-se para uma figueira. Então, emancipada e livre, a amendoeira ostentou os seus frutos, em invólucro bem rijo, não fosse o diabo arrepender-se e voltar atrás. Os bons frutos carecem de liberdade, quanto precisam de bom chão e de boas causas.

Este ano a Primavera chega, de novo, para resistentemente cumprir o seu ciclo. Vem condicionada por um vírus que teima em perdurar, é verdade, mas vem e carrega com ela outra primeira verdade, que nos desafia a desvendar. É sempre assim, ano após ano, ao longo da nossa vida, cada Primavera traz uma nova verdade, a primeira e única verdade desse tempo, que só vale até à primavera seguinte, quando outras verdades e outros frutos chegam, percebidos por outros valores e outras circunstâncias. A primeira verdade é sempre uma realidade simples como aquela que nos ensina que não há mal que sempre dure, nem bem que se não acabe. E, ainda, que tudo aponte para termos mais uma Primavera com o indesejado vírus encostado a nós, vamos resistir, combatendo-o e evitando alimentá-lo. Um dia, muito em breve, estou certa, amanheceremos em liberdade para expormos orgulhosos os frutos deste tempo.

E se a vida de cada um de nós já conta muitas primaveras, Portugal está prestes a completar mil ciclos. Acumula muitas verdades e outras tantas realidades, que só devem e podem ser julgadas à luz da essência e das circunstâncias de cada época. Nos séculos XV e XVI, na Era dos Descobrimentos, Portugal expandiu a sua influência e estabeleceu um império, com possessões na África, Ásia, Oceânia e América do Sul, tornando-se numa relevante potência económica, política e militar no mundo. O império português foi o primeiro império global da História e também o mais duradouro, preenchendo quase 600 anos da sua existência. Erros, naturalmente que existiram, mas erro maior será a imprevidência de um julgamento apressado e descontextualizado. Só o bom chão e boas sementes dão bons frutos. A humildade deve guiar a superioridade intelectual para se alcançar que as novas ideias de hoje são outra verdade que não durará mais do que um ciclo e que será, inevitavelmente, exposta a exames vindouros. Reconhecer hoje que somos bons frutos é inequivocamente aceitar, neste imenso espaço da lusofonia, o bom chão e as boas sementes de outrora.

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