Artigo de Opinião de Marisa Lages – Fisioterapeuta, Docente no Ensino Superior e Investigadora na área da Gestão
O futuro da gestão em saúde no SNS Português: Value-Based Heatlhcare (VBHC)
Atualmente, os sistemas de saúde enfrentam enormes desafios não só devido à variabilidade nos seus resultados como ao aumento insustentável de custos e cuidados considerados de baixo valor.
No nosso país, a despesa em saúde tem vindo a crescer a uma velocidade superior ao crescimento do PIB, tendência esta que se verifica na maioria dos países da União Europeia. Esta propensão, deve-se, em grande parte, ao envelhecimento da população, ao aumento da esperança de vida, ao aumento das doenças crónicas e multimorbilidade, pelo surgimento de novos produtos e métodos de tratamento. Mais recentemente a pandemia COVID-19 trouxe novos desafios na relação entre doente e o sistema de saúde, enfatizando a fragilidade que já existia em todo o ecossistema, nomeadamente a elevada afluência de doentes, a necessidade de reconfigurações de workflows e a limitação de recursos.
Em 2017, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) publicou um facto deveras preocupante: cerca de 10% a 34% dos custos em saúde resultam de investimentos inadequados!
Tradicionalmente, o procurement (conjunto de processos que compõem todo o ciclo logístico que uma organização cumpre para a aquisição de determinado produto) tem como princípio de funcionamento uma lógica meramente economicista e não a dicotomia custo versus qualidade no momento de aquisição de dispositivos médicos e medicamentos o que, claramente, nem sempre beneficia o paciente, o nosso sistema de saúde e claro a sociedade em geral.
Os atuais sistemas de saúde estão confrontados com vários pontos de tensão e de risco, nomeadamente: de produtividade; de sustentabilidade financeira, de inflação específica, de avaliação das tecnologias de saúde, da variação injustificada no acesso, e na qualidade bem como nos resultados dos serviços prestados ao doente. Em segundo lugar, a construção de sistemas sustentados, efetivos e justos, depende normalmente de esforços constantes de melhoria contínua, propondo-se objetivos de curto/médio prazo, para a resolução de problemas e procura de soluções já conhecidas. Contudo, já não bastam as soluções transacionais que conduzem a resultados incrementais e de impacto marginalmente menor no longo prazo.
Assim, o leitor perguntar-se-á: Como manter ou melhorar os cuidados de saúde com os recursos atuais e perante situações inesperadas como é o caso desta pandemia?
Como em outras áreas, também na saúde é necessário potenciar respostas inovadoras às necessidades dos doentes, quer pela tecnologia, globalização, regulamentação, maior participação social e ainda pelas restrições financeiras. Parece-me que a forma de enfrentar estes desafios é colocar o doente no centro principal para que ocorra esta mudança na Saúde de forma consequente e re-organizar a cadeia de prestação de cuidados, as dependências industriais e o financiamento a partir deste primado. Esta é uma nova abordagem “baseada em valor” (i.e., Value-Based Healthcare – VBHC), trazendo um novo foco na entrega dos melhores resultados (definidos na perspetiva do doente) ao menor custo possível.
O VBHC concentra-se nos resultados do doente, em relação aos custos de alcançar esses resultados. E significa que um prestador, ou um sistema de saúde, procura otimizar a relação entre resultados clínicos, satisfação dos doentes e custos baixos. O VBHC assenta em dois pilares fundamentais: dar ênfase na medição de outcomes e custos, o que permite processos de melhoria, de auditoria e uma cultura de transparência de accountability e, no papel central atribuído aos incentivos e aos contratos que os suportam, quer perante fornecedores, trabalhadores ou financiadores, como forma de se garantir que os comportamentos são os adequados aos objetivos delineados.
Nesta nova abordagem, que ainda apenas está a dar os primeiros passos na Europa, impõe-se uma integração, uma gestão de equilíbrios e de alinhamentos dos diferentes interesses das partes envolvidas. Neste sentido, deve ver-se a fileira da Saúde em modo de integração vertical onde a prestação de cuidados de saúde, a gestão da integração externa de cuidados, a relação com fornecedores e o financiamento de cuidados de saúde e políticas gerais devem potenciar-se uns aos outros.
Termino esta reflexão mencionando uma conhecida expressão do poeta espanhol António Machado (Proverbios Y cantares – XXIX, 1912) que espelha a filosofia de uma implementação de VBHC: “caminhante, no hay caminho, se hace caminho al andar” – não há caminho, o caminho faz-se caminhando.