Artigo de opinião de Elói Gouveia Santos – Responsável de Comunicação Empresa Pública Municipal

Num tempo em que os pássaros de ferro fazem dos aeroportos os seus ninhos, há viagens que se podem fazer. Permitam-me ser vosso cicerone apenas durante umas linhas. As redes sociais são, por estes dias, o território que muitos de nós aproveitam para calcorrear. É por lá que os nossos olhos nos fazem estender as pernas em passeios (pouco?) higiénicos.

Antes de mais, começo por contradizer-me: o insulto não será uma arte. Isto porque a arte pressupõe, pelo menos no meu entendimento, uma certa escassez. Se é banal, pode ser arte? Creio que não.

O/A leitor/a já percebeu que desejo tratar de assunto relacionado com as redes sociais. Passarei à frente a temática das fake news por considerá-la já suficientemente debatida. Os polígrafos que se ocupem disso.

Desejo cingir-me às caixas de comentários,  particularmente dos sites de notícias, em que prolifera tanta, mas tanta coisa, que algumas delas mereceriam ser editadas em livro.  Como posição de princípio, pessoal e não transmissível, confesso que só em situações excecionais me atrevo a comentar o que quer que seja nesses formatos. Somos ótimos a julgar, mesmo quando desconhecemos as circunstâncias. Não seremos tão bons a ser julgados, aí já nos sentiremos menos agradados.

Se o/a estimado leitor/a fizer a experiência de ler alguns comentários, por exemplo, às notícias, verá que impera uma espécie de maniqueísmo. Há, como nas teses académicas, duas versões, três, se considerarmos a posição que visa fazer a ponte entre uma e outra. Fica-me a sensação, sem qualquer evidência científica, de que vivemos zangados, compartimentados, numa guerra interminável entre o eu (que se insere num nós) e o ele(s). O futebol, não sei se merecerá ser chamado desporto, é um excelente território de observação.

Ao  olhar retrospetivamente para a minha presença nas redes sociais, percebo que a maioria dos meus arrependimentos se situa justamente nesse território. Cialdini no seu “Influência” propõe uma interpretação muito curiosa. Um clube, um partido, uma ideia, é, muitas vezes, uma extensão daquilo que a que queremos ser associados. Por exemplo, no meu caso, sou do melhor clube (!!!)  porque entendo que ele projeta determinadas caraterísticas/valores a que desejo pertencer.

Basta percorrer as redes sociais de órgãos de comunicação social para verificar que o combate é incessante e que a pessoalização e o insulto são vizinhos do lado da diferença de opinião.

Umberto Eco, com pertinência que neste caso julgo exagerada, apelidou este fenómeno como a invasão dos imbecis:” as redes sociais dão o direito de falar a uma legião de idiotas que antes falavam num bar depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a humanidade. Então, eram rapidamente silenciados, mas, agora, têm o mesmo direito de falar que um prémio Nobel.

Por que sentimos uma necessidade tão grande de fazer valer a nossa opinião, de a impor aos outros? O que queremos esconder mostrando o nosso lado opinativo?

Saramago dizia-nos que aprendeu a tentar não convencer ninguém. “O Trabalho de convencer é uma falta de respeito, é uma tentativa de colonização do outro.” Quem leu os “Cadernos”, sabe que foi uma tentativa frustrada, mas, como se costuma dizer: bem prega Frei Tomás…

A propósito de tentar convencer o outro, a CIA levou a cabo em 1956 uma ação, que olhada a esta distância nos parece poética, chamada Jazz Ambassators, que mais não era do que levar o Jazz ao mundo através de uma digressão, combatendo assim a ideia de que os EUA não eram um país inclusivo. É quase a interpretação do provérbio:” fala-me a cantar”.

Também o silêncio assume, em certas ocasiões, importância vital. Não comunicar, a predisposição à transitória mudez, é um esforço para a maioria de nós.

A esse respeito, veja-se a curiosa campanha Careless talk que foi levada a cabo no Reino Unido aquando da 2.ª Guerra Mundial. Circularam cartazes que incitavam ao silêncio, inclusivamente dentro de casa. Informações poderiam, inadvertidamente, cair nas mãos – nas orelhas, mais concretamente- do inimigo. Veja-se a importância que o silêncio assume em determinadas alturas!

Enfim, é natural que tentemos expor os nossos pontos de vista, respeitando os dos demais. Há que sopesar a valia das intervenções no espaço público, e, assim sejamos capazes de nos disciplinar, evitar confrontos de ideias que são (tendencialmente) estéreis.  Vale a pena opinar? O que ganharei com expressar o pensamento num meio tão voraz como são as redes sociais? Existe o risco de descontextualização? São várias as ameaças que quase nos convidam a intervir pouco.

Javier Marías, quase no começo do romance ” O teu rosto amanhã” diz-nos: “Não, eu não devia contar nem ouvir nada, porque nunca estará na minha mão que não se repita e se afeie contra mim para me perder, ou ainda pior, que não se repita e se afeie contra aqueles a quem bem quero para os condenar.”

Comecei por falar em aviões, talvez acabe com uma referência ao mundo dos comboios. No que diz respeito às redes sociais: Pare, escute e olhe.

Slider