São dois os casais de abutre-preto (Aegypius monachus) conhecidos que se estão a reproduzir na colónia do Parque Natural do Douro Internacional. As crias já saíram dos ninhos e já se encontram a explorar o território.
Em Portugal, apenas existem quatro colónias reprodutoras de abutre-preto, que são elas no Douro Internacional, na Serra da Malcata, no Tejo Internacional e na Herdade da Contenda. No entanto, esta primeira (Douro Internacional), é a colónia mais frágil e pequena.
Entre janeiro e agosto do presente ano, a Palombar, em colaboração com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), esteve no terreno a monitorizar a época de produção da espécie, uma ação crucial no que toca a avaliar o seu sucesso reprodutor e tendência populacional.
Criada em 2000, a Palombar- Conservação da Natureza e do Património Rural é uma organização não governamental de ambiente sem fins lucrativos. A principal função da associação é conservar a biodiversidade, os ecossistemas selvagens, florestais e agrícolas e preservar o património rural edificado, bem como as técnicas tradicionais de construção, e é esta mesma organização que está encarregue a monitorização dos aegypius monachus.
Numa primeira fase, e de forma a evitar qualquer tipo de perturbação aos casais de abutre-preto no período mais crítico de reprodução, a monitorização é feita “à distância, com recurso a equipamento ótico, como telescópios e binóculos”. Posteriormente, é feita “uma incursão aos ninhos para realizar uma avaliação biométrica das crias, como o tamanho da asa e do bico, e recolher amostras biológicas, nomeadamente de sangue, que permitem a sua monitorização à distância”.
De momento, e de acordo com a Palombar, a equipa do projeto está a realizar o seguimento continuado das crias, a partir dos dados fornecidos pelo GPS “para obter informações essenciais para a sua conservação, nomeadamente sobre os seus movimentos, comportamentos, longevidade, ameaças e dieta”.
MAIS SOBRE O ABUTRE-PRETO
O abutre-preto constrói o seu ninho em árvores de grande porte. É o caso dos dois casais que nidificam no Douro Internacional, ambos construíram os seus ninhos em zimbros (Juniperus oxycedrus). E, em homenagem a este comportamento da espécie, as duas crias que nasceram este ano receberam os nomes das árvores nativas da região: Freixo e Juniperus.
O abutre-preto extinguiu-se como nidificante em Portugal no início da década de 70. Só em 2010 voltou a nidificar em Portugal, no Parque Natural do Tejo Internacional. O Douro Internacional acolhe a colónia mais recente e delicada desta espécie, foi em 2012 que se registou o primeiro casal nidificante e, em 2019, o segundo. Este ano, na primavera, a equipa da Palombar e do ICNF observou a construção de um terceiro ninho e comportamentos de incubação por parte de um terceiro casal. Contudo, posteriormente, verificou-se que o casal – provavelmente jovem – terminou por abandonar o ninho e não teve êxito na reprodução este ano, mas no próximo poderá haver uma nova tentativa.
Depois de mais de 100 dias no ninho a receber os cuidados dos progenitores, as crias de abutre-preto avançaram agora para um momento decisivo: a saída do local seguro onde nasceram. Este é um momento crítico, pois a ave inexperiente fará os seus primeiros voos à descoberta do território e a procura de alimento. Nesta fase, as ameaças a que está sujeita são muitas, como queda, que pode provocar a morte ou fraturas, dificuldade em voar, ataque de outras aves, restrição alimentar, entre outras.
Iván Gutiérrez, biólogo da Palombar responsável pela monitorização da espécie na colónia do Douro Internacional, explica que este “é um período muito vulnerável, pois os progenitores começam a estar menos presentes, e, nos dias de muito calor, a cria pode saltar do ninho e cair no solo, onde, por vezes, não sobrevive. Por outro lado, as crias que já começam a sair do ninho para explorar e procurar alimento sozinhas têm associado um maior risco, pois são animais ainda inexperientes”.
Até ao momento, as informações fornecidas pelos dispositivos GPS colocados nas crias indicam que estas já saíram dos ninhos e estão a explorar o território nas zonas ao redor do local de nascimento, sem ainda realizar voos de média e longa distância. O ninho continua a ser um porto seguro, para onde voltam após sobrevoarem a região. Na Europa, o abutre-preto habitualmente não é uma ave migratória, mas sim sedentária, e permanece no território onde nasce. Contudo, alguns juvenis da espécie podem migrar para locais distantes, como para outras zonas do continente europeu, ou para o continente africano, embora não seja comum.
A avaliação do sucesso reprodutor desta espécie, que só tem uma cria por casal a cada ano, deve ser realizada a longo prazo. “Uma coisa é o número de casais reprodutores e de crias nascidas, e outra é o número de crias que conseguem sair do ninho e sobreviver de forma autónoma”, sublinha Iván Gutiérrez. É por isso fundamental monitorizar, através dos dispositivos GPS, as crias nascidas a cada ano a longo prazo para perceber se estas efetivamente conseguirão sobreviver e chegar à idade adulta, aumentando a colónia da espécie.
As colónias com número reduzido de casais, como é o caso da do Douro Internacional, são mais suscetíveis de desaparecer devido a alguma perturbação ou ameaça, como são os incêndios florestais. Em 2017, por exemplo, a colónia do PNDI foi afetada por um incêndio florestal que destruiu o único ninho da espécie existente nessa altura, matando a cria de abutre-preto. Para reduzir este tipo de ameaças, o projeto LIFE Aegypius Return também tem previstas ações que visam aumentar a resiliência natural frente aos incêndios florestais nas áreas onde a espécie se reproduz.
OBJETIVO DO PROJETO LIFE AEGYPIUS RETURN
Com o objetivo de aumentar a colónia de abutres-pretos no Douro Internacional, o projeto prevê ainda, até 2027, devolver à natureza nesta área 20 abutres-pretos provenientes de centros de recuperação de fauna selvagem. Neste âmbito, está a ser construída uma estrutura de aclimatação na zona da colónia. Nesta estrutura de grandes dimensões e com todas as condições de segurança, os indivíduos da espécie recuperados irão passar por um período de readaptação ao meio natural e de habituação à região para que a sua fixação nesta colónia, depois da devolução à natureza, seja facilitada.
Até ao momento, o projeto já devolveu dois abutres-pretos à natureza no Douro Internacional.
O projeto LIFE Aegypius return arrancou em setembro de 2022 e tem como objetivos principais aumentar a população de abutre-preto e melhorar o seu estado de conservação em Portugal. Pretende, num prazo de seis anos (2022-2027), duplicar a sua população reprodutora em Portugal para que passe dos atuais 40 casais reprodutores, para 80, bem como aumentar as colónias de quatro para cinco.
Este projeto é desenvolvido por um consórcio que integra as seguintes entidades: Vulture Conservation Foundation – organização coordenadora do projeto -, Palombar – Conservação da Natureza e do Património Rural, Herdade da Contenda, Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, Liga para a Proteção da Natureza, Associação Transumância e Natureza, Fundación Naturaleza y Hombre, Guarda Nacional Republicana e Associação Nacional de Proprietários Rurais, Gestão Cinegética e Biodiversidade. Tem financiamento de 75% do Programa LIFE da União Europeia e cofinanciamento da Viridia – Conservation in Action e pela MAVA – Foundation pour la Nature.
Jornalista: Lara Torrado
Foto: Palombar