Artigo de opinião escrito por Patrícia Freitas – estudante de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto
O assunto que está na ordem do dia, além da novela provinciana em que se transformou a política portuguesa, é a TAP. Porque a TAP devia ser privatizada; porque a TAP devia ser pública; porque a TAP é uma empresa que só dá prejuízo ao Estado e aos contribuintes e, por isso, entregá-la aos privados seria a solução para todos os nossos problemas. Ocorre-me esclarecer que o binómio nacional/privado ou, se preferirmos, nacionalização/privatização, depende do projeto ideológico que cada um subscreve e existe um número bastante extenso de critérios que permitem avaliar os prós e os contras das nacionalizações e das privatizações.
A tendência para a liberalização de tudo e mais alguma coisa já vem de longe. A crise do capitalismo liberal oligárquico dos finais do século XIX, aliada aos efeitos da Primeira Guerra Mundial e à crise económico-financeira de 1929 representam muito bem aquilo a que o marxismo se refere como as crises insuperáveis do capitalismo. Neste caso, do capitalismo liberal e da financeirização da economia.
O grande problema dos liberais, hoje, é pensarem que o liberalismo nunca existiu em Portugal; além de fraca memória, isentam-se a eles próprios de qualquer ética de responsabilidade. Os ideólogos do neoliberalismo português esquecem-se das privatizações em massa, das políticas de desregulamentação do mercado laboral, das políticas de baixa pressão salarial, da queda abrupta dos investimentos produtivos, da liberalização financeira e da adesão desastrosa a uma moeda demasiado forte. Têm a certeza que o liberalismo nunca existiu?
Mas a ordem neoliberal pretende isto mesmo. Os anos 70 e 80 conheceram a aniquilação do welfare-state keynesiano que, apesar de ter sido a teoria fundadora da macroeconomia moderna, constituiu um regime específico de um capitalismo em franco desenvolvimento. As políticas de Tatcher, no Reino Unido, e a sua evidente aversão aos movimentos sindicais, são um exemplo brilhante das motivações económico-sociais dos liberais.
Outra situação caricata que os liberais gostam de usar como manchete é a comparação entre Portugal e a Roménia. Vejamos: Portugal não é a Roménia. E convém ter em consideração outros indicadores. O rendimento médio por trabalhador em Portugal é de 62,3% da média da União Europeia, enquanto na Roménia é de 36,3%. Também a taxa de pobreza na Roménia (23%) é superior à portuguesa (18%). Afinal, o que é que distingue os dois países? Tal como outros países do leste europeu, a Roménia beneficiou, pela sua localização geográfica e pela política de baixos salários, dos investimentos alemães. A Roménia aderiu à UE em 2007 e, desde aí, recebeu um elevado montante de fundos europeus, tal como aconteceu em Portugal em 1986. Além disso, a sua moeda desvalorizou em 36%, facto que favorece claramente as suas exportações. O destino de Portugal foi bastante distinto: além de uma integração europeia atabalhoada, a adesão ao euro resultou numa sobrevalorização da moeda que favoreceu as importações e, claro, tornou as exportações mais caras e, portanto, menos atrativas. Obviamente que o crescimento económico varia de país para país e está muito dependente de condições internas e externas. Era nisso que deviam ter pensado quando decidiram criar um projeto europeu cuja base é o mercado único e cujos integrantes são países com características diferentes entre si. Estes são só alguns exemplos de como se pode desconstruir um argumento duvidoso de forma tão fácil.
Se há temas que estão no topo das preocupações da direita liberal, como o problema dos bidés e, claro, a TAP, há outros quem nem por isso constam da sua agenda. Refiro-me à necessidade de redefinir a estrutura salarial (não, não me convencem com a retórica do espírito maléfico dos impostos), de existir uma taxa sobre os lucros extraordinários dos grandes grupos económicos, de defender uma real e efetiva distribuição da riqueza.
Muito se poderia dizer acerca dos caminhos trilhados pela “vanguarda liberal”, desde a sua ligação intrínseca às oligarquias financeiras, até aos truques ilusionistas que pretendem levar aos portugueses e portuguesas mais distraídos. A mim, não me resta outra opção que não seja analisar em perspetiva histórica a construção do pensamento liberal e, com todas as certezas, refutá-lo. O liberalismo não funciona e não faz falta.