Depois dos apelos da comunidade científica para que fosse suspensa a instalação do parque eólico prevista para uma área da serra de Santa Comba, no concelho de Mirandela, que está em processo de classificação como Sítio de Interesse Público, agora foi a vez da Cátedra UNESCO em Portugal escrever a Augusto Santos Silva a pedir a suspensão do projeto.
Também a Assembleia Municipal de Mirandela, que reuniu, em sessão extraordinária para abordar este assunto, aprovou uma recomendação a pedir a reapreciação dos pareceres emitidos.
Na carta, o coordenador da UNESCO, Luiz Oosterbeek,, informa Augusto Santos Silva que aquela instituição, tal como o novo programa da UNESCO para a sustentabilidade “estruturaram-se para promover dinâmicas que promovam uma gestão mais integrada, ágil, mas prudente, das paisagens e dos territórios”, mas entende que no processo de instalação do parque eólico de Mirandela isso não aconteceu. “Não nos parece que, no contexto específico da Serra de Passos, tenha sido desenvolvido um rigoroso processo participativo, sem simplificações e que permita estruturar um plano de gestão e valorização territorial, ponderando as diversas variáveis”.
Nesse sentido, entende que será desejável que o projeto de construção do Parque eólico “possa ser suspenso até que um processo dessa natureza, que demorará cerca de um semestre, possa ser conduzido”, adianta.
Luiz Oosterbeek lembra o presidente do hemiciclo que em outras situações, a rapidez não foi boa conselheira. “Ao fazê-lo no passado, demasiadas vezes comprometeu a sustentabilidade a prazo, por refletir de forma insuficiente e por défice de debate com as comunidades”, argumenta o coordenador da Cátedra UNESCO, deixando o aviso de que os erros no passado “não decorreram de favorecer alguma concentração urbana para potenciar a concentração de recursos e serviços, tal como não decorreram de se plantar eucaliptos, de construir barragens para armazenar água e produzir energia”.
Na carta, é pedido a Augusto Santos Silva a sua intervenção no sentido de “sensibilizar as entidades com tutela do território para a necessária prudência, que nunca é incompatível com a capacidade de decidir “, termina.
O conhecimento desta carta, acontece após a Assembleia Municipal de Mirandela (AMM) ter aprovado uma recomendação para reapreciação dos pareceres que deram o aval à construção do parque eólico, uma proposta concertada pelos líderes dos grupos partidários daquele órgão autárquico. “Foi deliberado enviar uma recomendação à CCDR Norte, à Direção de Cultura do Norte e ao Ministério do Ambiente no sentido de produzirem uma eventual reanálise aos seus pareceres face aos novos achados arqueológicos e patrimoniais, tendo em conta que em 2021 no pedido de renovação da declaração de impacte ambiental as informações foram avançadas pelo operador, que venha a tutela esclarecer melhor tudo isto”, refere a secretária da mesa da AMM, Luísa Torres.
A comunidade científica, que nas últimas semanas se tem desdobrado em constantes apelos para a suspensão da instalação daquele parque eólico, parece ter ficado satisfeita com esta deliberação. “O resultado foi muito positivo, porque esta decisão reforça a necessidade de se fazerem mais estudos, no contexto desta proposta de classificação, porque neste momento temos um projeto de parque eólico dentro de uma zona especial de proteção e é preciso averiguar as consequências disso para se poder tomar uma decisão muito mais consciente, informada e transparente”, sustenta a arqueóloga Joana Teixeira.
Já a presidente da Câmara de Mirandela reitera que o executivo que lidera “limitou-se a cumprir as regras legais” ao conceder licença de construção ao operador que se propõe investir 30 milhões de euros na instalação do parque eólico que apresentou todos os pareceres exigidos pelas entidades estatais nestes processos.
Júlia Rodrigues recorda que o protocolo estabelecido com o operador prevê uma contrapartida financeira para o Município de um milhão e meio de euros, dos quais 500 mil já deram entrada nos cofres da autarquia, e argumenta que “não pode ser o executivo a suspender este processo, sob pena de ter de avançar com uma indemnização”. A autarca entende que terá de ser o Estado a responsabilizar-se por essa eventual decisão, dando como exemplo o que aconteceu no processo das gravuras do Coa. “Não foi a câmara de Vila Nova de Foz Coa que indemnizou o investimento que já tinha sido assegurado, foi o próprio Estado”, lembra. “Nós queremos acautelar que essa situação não fique sob a responsabilidade da câmara de Mirandela, sob pena de termos muitos problemas de sustentabilidade financeira no futuro”, acrescenta.
Refira-se que uma das críticas da comunidade científica tem a ver com o facto de o Estudo de Impacte Ambiental que serviu de suporte ao operador estar “obsoleta” por refletir o que tinha sido descoberto até 2014, não incluindo as novas pinturas rupestres descobertas nos últimos 8 anos.
Jornalista: Fernando Pires