Artigo de opinião escrito por Lídia Praça – Presidente da MEL – Mulheres Empreendedoras da Lusofonia
Adriano Moreira completa 100 anos no próximo dia 6 de outubro e é a Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa a anfitriã da única cerimónia pública que irá assinalar o dia do seu aniversário. Muitas foram as homenagens prestadas e muitas mais ainda irão acontecer até ao final do ano, mas no dia do seu aniversário serão os transmontanos de sangue ou de coração que estarão à sua volta para lhe cantar os parabéns e envolver a sua história num abraço de aquém e além Marão.
E tudo isto, estar ao lado do Professor no dia do seu centésimo aniversário, nasceu de um sonho. Do sonho de Hirondino Isaías, Presidente da Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro. Recordo-me bem do dia em que me telefonou e apresentou a ideia. Estávamos em dezembro de 2021, na semana do Natal. Pouco tempo depois, reuniu uma Comissão e determinado como é nunca mais parou. Enfrentou dificuldades, contornou contrariedades e orgulhosamente perseverante foitornando este sonho numa imensurável realidade.
Adriano Moreira não é um trasmontano. Adriano Moreira é O transmontano. O homem cujo perfil define uma região e é definido por ela, mas que simultaneamente se projeta para além desse lugar na profundidade do espaço e do tempo.
Vi pela primeira vez o Professor em Bragança, em meados da década de oitenta e, de imediato, a sua aparência física me lembrou Miguel Torga. Depois disso muitas outras vezes o encontrei e conversamos. Quase sempre os nossos diálogos começavam ou acabavam nas crónicas do Novíssimo Príncipe. Foi o primeiro livro que li de Adriano Moreira e também, de todos eles, o que mais me fascinou, pela sua impressiva abordagem crítica e reflexiva.
Adriano Moreira, de recorte austero, é acima de tudo um pensador. Um criador e recriador de ideias, flexível na sua delineação e desenvolvimento. Obstinado e, simultaneamente, adaptável e plurivalente. Foi e será, possivelmente, sempre um personagem controverso da história. Enquanto jovem foi simpatizante da Oposição Democrática e chegou a ser preso, contudo, as teses do luso-tropicalismo que, entretanto, abraçara levaram-no a aproximar-se do regime, o o regime dele. E ao recordar esse tempo, lembro-me que foram estas mesmas teorias sobre a relação de Portugal com os trópicos e o importante e papel que os portugueses tiveram na criação dessa primeira civilização moderna, que me levaram também ao seu encontro no início dos anos noventa. Eu era jovem, ávida de conhecimento e queria que ele me falasse dessa extraordinária e especial capacidade de adaptação dos portugueses aos trópicos, não por interesse político ou econômico, mas por empatia inata e criadora, como ele dizia. Uma maleabilidade natural e intrínseca, que resulta da nossa própria origem étnica híbrida, da nossa bi-continentalidade e do longo contacto com mouros e judeus na Península Ibérica. E tantas vezes, ao longo da vida, voltei a esta lição, que resume o nosso humanismo e o nosso universalismo, numa cronologia de séculos de miscigenação e de interpenetração cultural.
Do secular Adriano Moreira, o transmontano sem tempo, defensor da liberdade, da igualdade e do direito à felicidade ficará para a história a afirmação inabalável da universalidade partilhada da língua portuguesa: a língua portuguesa não é nossa, também é nossa. E com igual inspiração e a mesma certeza concluo, dizendo, que Adriano Moreira, o único português que foi realmente respeitado em dois regimes antagónicos, não é nosso, também é nosso!