Artigo de opinião escrito por Patrícia Freitas – estudante de História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto


A esquerda portuguesa tem passado, ao longo de toda a sua existência, por vários desafios, uns mais difíceis que outros. O mesmo se poderá dizer acerca da direita que emergiu do pós-25 de Abril, sobretudo a partir do aparecimento de tendências políticas de direita de natureza fascista e antidemocrática. No entanto, o caso da esquerda é objetivamente mais atrativo e mais apelativo em matéria de pesquisa e investigação. A par de uma curiosidade intelectual própria de qualquer sujeito contemporâneo, pensar a política, hoje, significa também consolidar o pensamento acerca do que se quer para este projeto social que é a esquerda. 

O início do período democrático português, a partir de 1974, trouxe consigo mudanças políticas, institucionais, sociais e económicas. Antes desse momento fundador da democracia, alguns partidos de esquerda iam sobrevivendoàs impiedosas condições da clandestinidade, sendo o Partido Comunista Português (PCP) o caso mais paradigmático dessa luta. Depois da revolução, todos os partidos procuraram o seu lugar, consolidando a sua agenda e as suas posições ideológicas perante os cidadãos. A primeira manifestação desta vontade urgente de afirmação foi o regresso dos exilados políticos que, a partir daí, se organizaram e recomeçaram a aparecer publicamente. Mais uma vez, o PCP foi pioneiro nesta questão, através da realização do seu VII CongressoExtraordinário, agora na legalidade; é de salientar que uma das principais mudanças introduzidas no programa do partido foi a eliminação da expressão “ditadura do proletariado”, como explica Blanqui Teixeira, na sua intervenção enquanto membro do Comité Central. As vivências políticas do verão quente de 1975 demonstraram que os partidos políticos da esquerda não tiveram uma convivência propriamente saudável: o comício do Partido Socialista (PS), no Estádio das Antas, ficou marcado pelas críticas ao PCP e pela exigência da demissão do então primeiro-ministro Vasco Gonçalves. 

É evidente que, nas décadas que se seguiram, os partidos de esquerda continuaram a existir e todos percorreram caminhos bastante singulares. As tendências eram variadas, desde a vocação anticapitalista e sindicalista do PCP, até ao caráter trotskista do Partido Socialista Revolucionário (PSR). A representação parlamentar de maior de destaque pertence, de facto, ao PCP e ao PS, dentro do espectro político da esquerda (ainda que as características esquerdistas do PS sejam facilmente rebatíveis). Analisando a situação, facilmente se pode perceber que o sonho de uma esquerda unida se dissipou ao longo do tempo, se alguma vez chegou a existir. A ortodoxia do PCP e a sua impermeabilidade às mudanças sociais não lhe permitem adquirir um estatuto de “projeto único” que seja capaz de congregar toda a esquerda. Apesar da presença imprescindível do PCP na sociedade portuguesa e da sua inquestionável importância no combate ao fascismo e à opressão do Estado Novo, como força política e social de resistência, a sua incapacidadeatual reside nos seus próprios condicionalismos dogmáticos. Não me refiro apenas a um certo imobilismo, mas também à persistência em não criticar abertamente outros regimes que são claramente avessos ao conceito de democracia. 

Em 1999, contra todas as expectativas dos mais sectários, deu-se a fundação do Bloco de Esquerda (BE), sob uma conceção unitária e integradora de vários movimentos de esquerda que até então lutavam pela sua sobrevivência. As três principais forças políticas que se aproximaram foram a União Democrática Popular (UDP), o Partido Socialista Revolucionário (PSR) e a Política XXI. Irreverente crítico do projeto europeu, sobretudo em relação às suas imposições económicas impróprias para os estados nacionais, o BE surgiu como uma alternativa política pluralista e diversificada, tendo como linha ideológica de base o socialismo. A convicção dos fundadores do BE residiu na necessidade urgente de fomentar o diálogo à esquerda e de criar uma força política onde diferentes ativismos se pudessem encontrar. Para alguns, este projeto não duraria seis meses. A realidade comprova que a ideia de criar algo novo, aparentemente impossibilitada pela mentalidade conservadora da sociedade portuguesa, foi e continua a ser uma mais valia para a democracia portuguesa e para uma visão alternativa do projeto europeu e consequente rejeição das políticas neoliberais que têm arrastado a Europa para um beco sem saída. 

Hoje, confrontados com uma discordância crónica entre a esquerda, os portugueses devem pensar qual o futuro que querem dar a este projeto universal e global que a esquerda transporta em si. Pensar aprofundadamente sobre este assunto significa também rever o horizonte conceptual que atribuímos às palavras, desde o socialismo até à social-democracia. Porque, a verdade seja dita, quando alguém critica as políticas do atual Governo, aparentemente posicionado à esquerda, ainda que seja portador de um centrismo sistemático e incurável, a palavra esquerda poderá não se enquadrar da melhor maneira. Dou como exemplo as abordagens regressivas e agressivas que têm sido feitas em relação ao fator trabalho, que deveria ser amplamente valorizado, não só na sua abordagem material, mas também como uma dinâmica social fundamental para o bem estar social e económico. 

Afinal, como será a esquerda portuguesa nos próximos anos?

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