O mercado semanal dos produtos da terra de Bragança é um exemplo da escalada dos preços, mas também testemunho da tranquilidade que uma horta dá nesta região perante cenários adversos como a atual crise motivada pela guerra.

Entre as dificuldades que já sentem e que as que se desenham, fica a certeza daqueles que há dezenas de anos trabalham a terra: “para comer temos, ao menos batatas e couves”.

A garantia surge do grupo que a Lusa encontrou junto a uma banca com renovo, a observar os rebentos de cultura que vão plantar, mas “mais lá para diante”, que ainda faz frio nestas terras.

“Toda a gente planta horta”, em Espinhosela, a aldeia de Patrocínio Edra que “fabrica cebola, batata, couve, um bocadinho de tudo” e tem também castanheiros, a cultura mais rentável da Terra fria Transmontana.

Os custos para produzir é que são motivo de queixa para este agricultor, na casa dos 70 anos, que compra adubo, sobretudo para os castanheiros.

“Algum, dobrou o preço do ano passado para este ano. Botei (deitei) quase 80 sacos dele e foram quase 18 euros cada saco de 25 quilos”, contou.

Na aldeia, continuam a fertilizar muitas culturas com o tradicional estrume, “mas o adubo também se deita”.

“Tudo subiu e pede-se (ao produtor) 25 cêntimos por um quilo de batatas, são uns ladrões”, queixa-se o amigo da aldeia de Castro de Avelãs, João de Deus, que, com 82 anos, “ainda ontem” foi cortar silvas para tratar das terras.

Diz este homem que a agricultura está agora “mais reles do que há 50 anos” e sustenta com o exemplo da seca.

“Se eu quiser fazer uma presa no rio ou compô-la para a gente regar, não me deixam, é proibido”, afirmou.

João diz que tem em casa ainda “para aí quatro mil quilos de batatas” da última campanha, já vendeu algumas, mas a oferecerem-lhe “25 cêntimos por quilo”, nem lhes abre a porta para as irem ver.

“Ando a dá-las aos recos (porcos)”, acrescentou, e não as dá a ninguém por causa das “modernices”.

O desabafo pelo desagrado de não ver quem queira trabalhar a terra esvai-se imediatamente na oferta a alguém que acabou de comprar um molho de grelos: “Se estivesse na minha aldeia, dava-lhos eu. Há-os lá a estragar-se”.

Tanto João como Patrocínio garantem que “qualquer vizinho” nestas aldeias “tem horta e se não tem destas coisas é porque não quer trabalhar”.

A prova, afiançam, surge quando precisam de mão de obra e vão “chamar gente para trabalhar, a ganhar 50 euros por dia e almoço e não querem ir”.

Habituados à terra e filhos de lavradores, o casal de ex-emigrantes Manuel e Isabel Pires foram ao mercado da feira de Bragança comprar renovo para “o cantinho” destinado à horta no terreno da moradia que têm na cidade e onde colhem também frutos de várias árvores.

Levaram tomate e alface para plantar, “se der, dá, senão o mercado está perto”, segundo Manuel.

Têm também a tranquilidade das aldeias, onde “vem uma vizinha e dá, vem outra, e mesmo na cidade também dão”.

“A gente gosta de repartir”, garante Isabel.

Para não perder clientes, Luísa desloca-se de Mirandela a Bragança para vender o renovo ao preço “igual como nos outros anos” porque se sobe “ninguém compra e se não vier vão comprar a outros”.

Vende alface, cebola, tomate para plantar e garantiu à Lusa que as pessoas compram.

“Quem tem um bocadinho de terra, planta para ter a farturinha”, assegurou.

Noutra banca, há fumeiro da zona de Miranda do Douro, mais caro, pelo menos, um euro por quilo, dependendo da peça, como explicou o casal de vendedores António e Mafalda Carvalho.

A justificação está no “preço da matéria-prima, que aumentou 30% e o da energia 100%, o fornecedor aumenta, o produtor tem que aumentar também, isto é uma cadeia até ao consumidor final”, segundo Mafalda.

“Eles justificam porque a farinha aumentou e o que é que posso fazer”, queixa-se, assegurando que as margens de lucro “ficam iguais” para eles que vendem ao consumidor final.

Os reflexos da farinha explicam-se no alimento dos porcos que “comem ao ar livre, mas também precisam de ração porque é mais equilibrada, e aumentou para o dobro”, explica António.

Também o pão caseiro da aldeia do Zeive amassado e cozido por Elisa Figueiredo aumentou 50 cêntimos e, ainda assim, às dez da manhã já tinha vendido todo.

Com a chegada da Páscoa é tempo do tradicional folar de carnes transmontano que está mais caro dois euros, passando para 15 euros o quilo.

Elisa faz outras iguarias e tem na farinha a principal matéria-prima cada vez mais difícil de adquirir, pois a saca de 25 quilos passou de 12 para 18 euros, e já teve que recorrer à vizinha Espanha para comprar por racionamento no fornecedor local, ditado pelo excesso de procura.

Manuel Lopes faz cem quilómetros de Vila Flor a Bragança para vender hortícolas e fruta “ao mesmo preço de sempre”.

Com 12,5 hectares de terrenos numa das zonas mais férteis da região, a horta e venda de legumes é um extra que vai compensado, porque o forte do rendimento deste agricultor vem da cortiça e da amêndoa.

“Os ganhos não são muitos, mas prejuízo também não”, concretizou.

Por: Lusa

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