Artigo escrito por Lídia Praça – Jurista e Vice-Presidente nacional da União Hispanomundial de Escritores (UHE)

«Ser livre é um imperativo que não passa pela definição de nenhum estatuto. Não é um dote, é um Dom». Recordo estas palavras de Miguel Torga, lembrando-o na efeméride da sua morte, há 27 anos. E recordo estas palavras a propósito das notícias que, também nesta data, fazem manchetes na comunicação social, um pouco por todo o mundo, após ser conhecida a decisão de deportação, da Austrália, de Novak Djokovic.

Com efeito, esta decisão judicial, posterior a uma decisão política no mesmo sentido, foi alvo das mais variadas reações. Umas mais racionais e outras mais emotivas, mas todas elas se referindo ao tenista como o melhor do mundo. Até pode ser, sim, mas não são as suas qualificações que, no quadro em apreço, interessam. O que importa, isso sim, é reconhecermos que há latitudes e longitudes, no mundo, que confluem para lugares onde a Política e a Justiça não se subjugam ao dinheiro ou ao estatuto de homens.

A Justiça e a Liberdade são valores universais. São primados das sociedades civilizadas e da Democracia, devendo impedir que um homem, quem quer que seja, se subtraia ao seu âmbito de aplicação, ainda que seja o melhor do mundo. Os quadros legais, na perspetiva da sua aplicação processual e material, são iguais para todos, desde os melhores profissionais, seja qual for a profissão, aos menos bons e até aos medíocres e maus. Este é o poder-dever da lei!

Verdadeiramente, neste processo, está em causa uma lei de um Estado soberano que impõe aos seus cidadãos deveres por motivos de interesse público. Uma lei que os juízes do Tribunal Federal da Austrália fizeram cumprir a um estrangeiro, mantendo a decisão do Ministro da Imigração de cancelar o visto de permanência, no País, do atual líder do ranking da ATP, Top dos 250 melhores tenistas do mundo.

O que está em causa? Está em causa uma sólida e perseverante determinação da Austrália de combater a pandemia da Covid 19 e um Executivo firmemente comprometido em proteger os seus nacionais; bem como, a economia do País.

Djokovic não apresentou um comprovativo de vacinação contra a Covid-19. É livre de o fazer. Tal como é livre de não se vacinar. Esta discussão está, de resto, saturada. É livre, até, de não cumprir uma lei, mas terá forçosamente de aceitar e conformar-se com as consequências de tal ato.

Aqui chegados, e noutro plano, de tudo isto pouco mais restará do que a evidência de notícias de uma memória triste e penalizadora. Triste e lamentável para o Desporto e penalizadora para a carreira do jovem atleta que, naturalmente, cedeu às fortes políticas de proteção de fronteiras da Austrália, com o propósito de manter a segurança dos seus cidadãos, durante a pandemia, resultando numa das menores taxas de mortalidade, recuperação económica mais forte e maiores taxas de vacinação do mundo, fundamentais para salvaguardar a coesão social do País.

E, por fim, encerro esta crónica, como comecei, com certeza da verdade de Torga. Ser livre é um direito e, simultaneamente, uma obrigação do Homem, independentemente da sua posição social. Não é um bem material, mas um talento que o Homem recebe de Deus ou, para os não crentes, uma qualidade inata. Seja como for, desde o século XVIII assenta, fundamentalmente e equilibradamente, no Contrato Social de Rousseau que, preservando a liberdade natural do Homem, garanta a segurança e o bem-estar da vida em Sociedade.

Slider